domingo, 3 de maio de 2020

        No início do ano foi publicada a novela, Lasca, de Vladímír Zazúbrin, sobre a Tcheká, polícia política dos primeiros anos da URSS. Felizmente, nos últimos dez anos são inúmeras as traduções de narrativas sobre o período, destacam-se Chalámov e Vassili Grosmann, o meu preferido. Mas é uma grata surpresa a qualidade narrativa de Zazúbrin, associada a reflexão angustiada sobre a revolução, aqui entendida como uma máquina que se torna ingovernável, com vida própria. O autor escreveu a novela entre 1922 e 1923, e viveu até 1937 quando foi fuzilado em um dos expurgos do período stalinista. Deixo duas passagens, que apesar de extensas, apresentam a combinação de qualidade literária e reflexão sobre a revolução.
"...E os pés de aço do caminhão batiam e atolavam fundo na neve azul, quebravam a espinha das corcovas de neve e, no estalar dos ossos da neve, no retinido do ferro, no ofegar resfolegante do motor, no suor sangrento e vermelho do petróleo e de sangue, o caminhão saía pelo portão. Cinza na névoa cinzenta, ia para o cemitério, fazendo tremer ruas, casas, levantando das camas os habitantes, que sabiam de tudo. Os narizes sonolentos estreitavam-se contra os vidros congelados. E na tremedeira dos joelhos, no tremor das camas, no tinido das louças e janelas, os olhos sonolentos e pustulentos escancaravam-se de medo, as bocas sonolentas e fétidas cochichavam sem forças, com raiva, assustadas:
- A Tcheká...Da Tcheká... A Tchecká está levando sua mercadoria..." p. 32

"...A execução secreta, no porão, sem nenhum efeito estético, sem anúncio da sentença, súbita, tem efeito esmagador sobre os inimigos. Uma máquina imensa, impiedosa, onisciente, inesperadamente agarra suas vítimas e as tritura, como em um moedor de carne. Depois da execução, não há data exata da morte, últimas palavras, cadáver, não há cadáver, não há nem tumba. Há o vazio. O inimigo foi aniquilado completamente."" p.91-92
LASCA. Vladímir Zazúbrin. Trad. Irineu Franco Perpétuo. Carambaia.

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