quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sapatos iluminados

                  A moda dos tênis com luzes não é nova, pelo contrário, é ridícula se comparada com a moda dos jazzistas de Nova Orleans do início do século XX. No depoimento abaixo, Jelly Roll Morton (1890-1941), um dos "inventores" do Jazz nos mostra o que era estar "na moda".  

                "[...] Mas muitos rapazes não usavam sapatos de fábrica. Preferiam os chamados St. Louis Flats e Chicago Flats, feitos com solas de cortiça, sem saltos e com desenhos na ponta. Depois, alguns inventaram de botar pequenas lâmpadas elétricas na ponta dos sapatos e levavam uma bateria nos bolsos, e quando se aproximava uma dona - dessas bobas - eles apertavam um botão no bolso e acendiam as pequenas lâmpadas na ponta dos sapatos e aquela dona era conquistada! É a pura verdade!


terça-feira, 11 de setembro de 2012

domingo, 9 de setembro de 2012

Chet Baker por Roberto Muggiati


            Há alguns anos comecei a leitura de um dos livros do jornalista Roberto Muggiati, na época ouvia jazz com afinco e tentado estava por conhecer a história dos Marsalis. Uma década se passou, e retomando as minhas audições de jazz resolvi buscar novas informações sobre a história do jazz. Na pesquisa encontrei o livro, Improvisando Soluções (Editora BestSeller, 2008), descrito no site como um livro que apresenta pequenas biografias dos mestres do jazz. Encomendei o livro, ao chegar deparei-me com o subtítulo estampado na capa, “o jazz como exemplo para alcançar o sucesso”. Então pensei, cometi um equívoco, o livro não deve ser bom. Para minha surpresa após iniciar a leitura senti grande prazer, muitas informações interessantes, nada de pedantismo e uma organização dos tópicos muito clara e sem passagens maçantes.
            Segue um dos trechos sobre Chet Baker, onde se fala de sua temporada com Charlie Parker.

***
Chet Baker

O sopro e a voz do cool



            “[...] Sua primeira grande oportunidade surgiu no verão de 1952. Ele mesmo conta, no livro Memórias perdidas:

“Um dia cheguei em casa e encontrei um telegrama debaixo da porta. Dizia que Charlie Parker estava selecionando um trompetista para fazer uma temporada com ele na Califórnia. O teste seria naquele mesmo dia, às três horas, no Tiffany Club. Corri até lá, cheguei um pouco atrasado, mas consegui ouvir, do lado de fora, Bird desenvolvendo um tema com um trompetista. Penetrando na escuridão do clube, pude distinguir a figura de Bird voando nos céus dos blues. Fiquei sentando, por um ou dois minutos, olhando ao redor. Reconheci muitos trompetistas e um monte de gente que descobria, de algum modo, que Bird estaria lá. Percebi alguém aproximar-se do palco e dizer algo a Bird. Fiquei sem graça e muito nervoso quando ele perguntou pelo microfone se eu estava no clube e se podia subir ao palco e tocar com ele. Passou por cima de todos aqueles caras na fila – alguns muito mais experientes do que eu e capazes de ler qualquer partitura que lhes botassem na frente. Tocamos dois temas: “The Song Is You” e um blues escrito por Bird, “Cheryl”, que felizmente que conhecia. Quando acabamos o tema, Bird anunciou que a audição estava encerrada, agradeceu a presença de todos e comunicou que me escolhera para participar do seu grupo.

Conviveram alguns meses, Parker como uma espécie de pai, ou irmão mais velho, protegendo o jovem Chet, 22 anos, dos traficantes. “Toque como eu toco, mas não faça o que eu faço”, dizia Bird, que morreu como uma espécie de mártir, drogando-se para provar que “as drogas eram uma droga!”. Naqueles tempos, drogar-se era uma espécie de distintivo de clube para os músicos de jazz, como beber o era para os grandes escritores (Hammett, Hemingway, Faulkner, Fitzgerald & cia.). Mal deixou Parker, Chet formou com o sax-barítono Gerry Mulligan um quarteto-sem-piano e foi atropelado pela fama com o seu breve, mas conciso, solo de trompete em “My Funny Valentine”, gravado em setembro de 1952.
            A parceria com Mulligan tornou-se lendária, mas só durou 11 meses. Chet formou então um quarteto-com-piano, com Russ Freeman, e nas primeiras gravações, já em outubro de 1953, teve a ousadia de se lançar como cantor, interpretando um tema do repertório de Frank Sinatra, “I Fall in Love Too Easily”. Nesse mesmo ano, numa festa em Hollywood, Baker, tocando os acordos ao piano, cantou o belo tema de Cole Porter “Ev´ry Time We Say Goodbye” em dueto com a cantora June Christie, enquanto o marido desta, o saxofonista Bob Cooper, os acompanhava suavemente com o seu tenor. “Soavam como dois anjos cantando”, lembra o fotógrafo William Claxton, que ajudou com suas câmeras a construir a imagem de Baker como “ícone do cool”. Claxton, Christy e os demais convidados insistiram para que Chet gravasse um disco só de vocais. O que não demorou a acontecer: em 15 de fevereiro de 1954 – um dia depois do Valentine´s Day, Dia dos Namorados nos EUA – Chet gravara “My Funny Valentine” e outros sete standards que fariam parte do LP de dez polegadas Chet Baker Sings.
Na verdade, o fascínio de Chet pelo canto vinha da infância, quando acompanhava os cantores que ouvia no rádio de casa. Sua mãe, Vera, adorava sua voz, embora ainda soasse aguda como a de um menino de coro. Começou a arrastar o filho para concursos de calouros infantis, em que competia com sapateadores, acordeonistas novatos e cantores á moda tirolesa. A própria Vera escolhia o repertório: canções de amor um tanto maduras para a um garoto de 12 anos. A saxofonista Diane Vavra, companheira de Baker nos seus últimos anos, comentou: “Talvez houvesse algum componente edipiano na cosia, porque sua mãe lhe ensinava todas aquelas letras fortemente erotizadas.” Anos depois, Baker queixou-se a um pianista amigo que aquilo o incomodava, muitas crianças caçoavam dele e diziam que soava como uma menina. Mas isso não o impediu de atirar-se de corpo e alma à carreira de cantor, aos 24 anos, para o resto da vida.
No início, sua voz juvenil e afeminada foi muito criticada: alguns depreciaram sua afinação instável, sua voz “pequena”, as vogais caipiras (thuh por the, wull por well), o recurso de respirar entre as palavras. Mas sua interpretação transmitia um sentimento tão intenso de fragilidade e inocência que acabou superando todas as críticas. Chet não tinha vergonha de cantar como uma Billie Holiday, assumindo seu lado feminino – a sua anima, no jargão junguiano da época. O álbum Chet Baker Sings em pouco tempo chegou ao Brasil e exerceu um papel fundamental nos anos de formação da bossa nova. Suas entonações vocais e ao trompete ensinaram muito aos jovens da classe média que tentavam criar uma linguagem musical mais em sintonia com a vida urbana que levavam. João Gilberto não só criou um estilo vocal a partir de Chet Baker, como venceu sua timidez e conquistou a jovem Astrud, convidando-a para duetos vocais com Chet na vitrola cantando “There Will Never Be Another You”.
Quando Chet veio ao Brasil pela primeira e única vez – para apresentar-se no primeiro Free Jazz Festival, em 1985 –, tive a oportunidade rara de conversar com ele à beira da piscina do Hotel Nacional durante quase uma hora. Na verdade, não foi bem uma conversa. Eu tentava arrancar declarações definitivas e Chet, pausadamente, olhava para o passado em câmara lenta, cansado, o rosto vincado de rugas, a boca e os dentes desfigurados por uma surra que levou de traficantes ainda nos anos de 1960, um fantasma do belo jovem que fora comparado a James Dean e chegara até a fazer filmes em Hollywood e na Itália. Mas, dentro daquele corpo precário, que já namorava com a morte, eu senti uma alma íntegra como poucas. Chet foi generoso com sua música, gravou muitos discos de graça em clubes noturnos, às vezes sem saber que estava sendo gravado, outras vezes em troca do pico da hora, simplesmente porque fazer música era, mais do que sua grande paixão, sua própria razão de ser. Totalmente desapegado dos bens materiais, morando em hotéis – adorando apenas carros velozes –, foi talvez o mais autêntico dos beats, muito mais do que intelectuais emocionalmente travados como Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Chet Baker ofereceu ao mundo – ainda oferece –, ao lado de Billie Holiday, Charlie Parker, Lester Young e John Coltrane, nesses tempos de aridez espiritual, um legado de rara beleza e liberdade.” (Improvisando soluções. Roberto Muggiati. Best Seller.pp.133-137

segunda-feira, 3 de setembro de 2012




         "Nós latino-americanos é que não podemos entrar nessa dança de glórias e de reminiscências macabras. Aqueles horrores foram as dores do parto de que nascemos. O que merece ser visto não é só o sangue derramado, mas a criatura que ali se gerou
 e ganhou vida. Sem nós, a romanidade estaria reduzida à pequenez numérica das nações neolatinas da Europa, demograficamente insignificantes, imponderáveis, num mundo demasiadamente cheio de neobritânicos, de eslavos, de chinos, de árabes etc.

          A glória da Ibéria, é bom que se reitere aqui, reside em ter guardado por mais de um milênio as sementes da romanidade, debaixo da opressão goda e sarracena, pra multiplicá-la aqui prodigiosamente. Somo o Povo Latino-Americano, parcela maior da latinidade, que se prepara para realizar suas potencialidades. Uma latinidade renovada e melhorada, porque revestida de carnes índias e negras e herdeira da sabedoria de viver dos povos da floresta e do páramo, das altitudes andinas e dos mares do sul." A América Latina existe? Darcy Ribeiro, pp.110-111.