segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A mente no mundo moderno


            No período das provas do ENEM, não custa lembrar desse Behemoth da vida cultural/educacional no Brasil, o bacharelismo. E mesmo que a ampliação do sistema público universitário se fizesse ilimitadamente, isto seria producente diante da indigência do sistema educacional básico? Por outro lado, quando vejo defesas efusivas do bacharelismo, tendo a concordar com autores que identificam nos movimentos intelectuais dos últimos 60 anos o avanço de uma linguagem hermética, que pouco se faz inteligível a quem não frequenta círculos avançados de pesquisa acadêmica. Sobre esse hermetismo de linguagem, especialmente nas Ciências Humanas, as quais na boca dos mais progressistas têm por função conscientizar as mentes alienadas, têm uma função social, indico o livro de Lionel Trilling, "A mente no mundo moderno". Sim, é pela "É realizações", uma editora conservadora, mas houve um tempo em que progressistas liam de tudo. É importante frisar, para os mais desavisados, Lionel Trilling foi um dos gigantes da crítica literária norte-americana (estadunidense para os mais progressistas), estando no mesmo nível de George Steiner. Texto conciso e claro, de 1972. Indico também sobre as misérias do mundo universitário, a leitura do livro, "A Cultura do Narcisismo", de Christopher Lasch. O qual merece uma nova edição em português.

                           Sobre a miséria que se tornou o pensamento nas universidades pós anos 1960, Trilling nos dá um panorama premonitório já no início dos anos 1970.

"Nas disciplinas de humanas, a situação é semelhante. Já pude mencionar a condição deteriorante da história. A filosofia parece ter se tornado disciplina técnica restrita a especialistas, não mais se permitindo dar espaço ao interesse e empenho de uma inteligência geral razoavelmente forte. Com minha disciplina, aquela dos estudos literários, a situação se complica ainda mais. Nas últimas décadas, grande parte do estudo da literatura partiu do princípio... de que as obras literárias não são tão acessíveis ao entendimento quanto à primeira vista podem parecer, desenvolvendo, assim, métodos elaborados e sofisticados de compreensão que inevitavelmente tendem a conferir, à literatura, aparência de disciplina esotérica só disponível ao especialista..." Lionel Trilling, A mente no mundo moderno, p. 24-25

                       A defesa do irracionalismo, ou seja, o elogio da intuição, da inspiração, da violência como formas mais adequadas que o pensamento racional baseado na objetividade.

"... Todavia, do modo como é concebida a autenticidade por aqueles que assumem posição contrária à mente, ela determina que só é real, verdadeiro e digno de confiança o que é experimentado sem intervenção do irracionalismo, enaltecendo a conquista de uma imediação experimental e perceptiva que se dá fora da alçada da mente racional. Os meios empregados para isso não são novos; conhecemo-los de outras eras. Entre eles encontram-se a intuição, a inspiração, a revelação; a aniquilação da individualidade (por meio da contemplação, talvez, mas também mediante o êxtase e várias formas de inebriamento); a violência; a loucura." p. 50-51

"...Em nossos dias, tornou-se possível reivindicar uma tal credibilidade à ideia de que a loucura é um estado benéfico, que deve ser compreendido como paradigma da existência e da cognição autênticas. Essa visão não é defendida somente por leigos curiosos, mas também por um notável segmento da psiquiatria pós-freudiana dotado de ampla  influência na comunidade intelectual. Essa posição é justificada mediante argumentos políticos. Diz o raciocínio que a insanidade está diretamente relacionada às estruturas e forças malignas da sociedade - não, porém, como um simples efeito passivo, mas como uma resposta ativa e significativa à vontade destrutiva que a sociedade tem. A insanidade é representada como uma percepção verdadeira que se realiza de maneira oportuna - a sociedade mesma é insana, e, quando isso é compreendido, a aparente aberração do indivíduo se afigura como racionalidade, como libertação das ilusões da loucura social. Da loucura ignorada sua dor lancinante, seu isolamento e sua distração - deve ser obtido  o princípio pelo qual a sociedade pode recuperar a razão e a humanidade perdidas. Um tal projeto pode ser tomado como medida do quão desesperado é o impulso de impugnar e transcender os limites da mente racional." pp. 52-53