quinta-feira, 11 de maio de 2017

"Não quero mais correria, pressa, velocidade... Ultimamente ando irritadiça e exausta, resisto, mas sou sempre arrastada pela pressa dos outros desde que a gente passou a viver, se mover, se informar, pensar e se comunicar com o máximo de velocidade possível segundo os diários e ruidosos lançamentos de novas geringonças eletrônicas, prometendo cada vez mais velocidade. Não é só o fast-food no estômago, é o fast-food no cérebro: fast-news, fast-thinking, fast-talking, fast-answering, fast-reading. Parece um complô para me obrigar a ser cada vez mais fast, em tudo, a ser avaliada e a me avaliar pela minha rapidez de resposta e de atualização. Ave! E quem pode, assim, continuar a ser gente, ter juízo e saúde? Rapidez obrigatória não combina com reflexão, raciocínio complexo, construção de argumentos fundamentados, avaliação crítica e honesta do argumento alheio, recuperação da memória, verificação conscienciosa das informações recebidas, pensar e julgar com ideias e valores coerentes e abrangentes. Sem isso, não é possível o debate honesto e profundo de coisa nenhuma, a intolerância e a violência se espalham por aí. Afinal, desde sempre o argumento mais rápido em qualquer disputa parece ter sido a força, o golpe, a violência, desde o tacape até o drone bombardeiro..." Maria Valéria Rezende, Outros Cantos. p.72-73
Sobre o livro, "O que é fascismo? E outros ensaios", de George Orwell, são necessárias algumas considerações:
a) Edições que mencionem o termo "fascismo" ganham notoriedade rapidamente e vendem bastante. Daí o afogadilho para publicá-las, e muitas vezes a omissão de certas informações;
b) No caso dessa edição da Cia das Letras, o prefaciador e tradutor, Sérgio Augusto afirma que os textos recolhidos são inéditos no Brasil, e que as outras coletâneas de ensaios de Orwell são todas da referida editora, pelo menos neste século;
c) Na verdade há uma edição de ensaios e resenhas, publicada em 2006 pela Zahar Editores. Aliás, mais ampla que a da Cia das Letras. O título da publicação é "Literatura e Política", na qual podemos encontrar vários ensaios interessantes sobre a guerra em andamento, e algumas resenhas sobre livros importantes do ponto de vista político e literário, tais como: "o caminho da servidão" (Hayek), "Por que a França caiu" (Bernanos), "Flores do Mal" (Baudelaire), entre outros;
d) Então, como tenho muito tempo, coligi as duas edições, e o alentado ineditismo dos 24 textos propalado pelo tradutor e prefacista não se sustenta. Três textos da edição agora lançada pela Cia das Letras constam na edição da Zahar Editores, são eles: "Resenha - O negro do Narciso, Tufão, A Linha de sombra, Dentro das marés, de Joseph Conrad"; "Resenha - A alma do homem sob o socialismo, de Oscar Wilde"; " Resenha - Notas para uma definição de cultura, de T. S. Eliot". Na edição da Zahar Editores, esses três textos receberam os respectivos títulos: "Um homem do mar","A utopia de Oscar Wilde", "A cultura e as classes".
e) Finalmente, é importante ressaltar que os textos sobre o fascismo são inéditos, assim como algumas outras resenhas. É mais uma importante coletânea disponível para os leitores. No entanto, não deixo de considerar que a ligeireza em publicar devido ao tema proporciona certos equívocos.
Num colóquio sobre a obra de Dalton Trevisan na USP, homenageando os seus 90 anos, alguns conferencistas reclamavam da ausência de estudos sobre a obra do autor. E lemos por aí conclamações para que se produzam estudos sobre autoficção juvenil. É preciso o trabalho da linguagem, da escrita, não basta usar palavras ditas "transgressoras" para se fazer boa poesia ou prosa. Segue um exemplo do próprio Trevisan, onde o subentendido exige algo do leitor.
"Afofa os dois travesseiros para ler o jornal, nunca mais abriu um livro. Uma vez por semana, com repugnância e método, entrega-se ao prazer solitário - o mísero consolo do viúvo. Afinal vem o sono, aninha-se nas cobertas e dorme, o eterno grilo debaixo da janela." Dalton Trevisan, conto "Angústia do viúvo", presente no livro, Cemitério de Elefantes. Edição de 1977.