segunda-feira, 20 de julho de 2015

       Diálogo entre Díaz Grey, e o incorruptível Euclides Barthé, no qual se negocia a aprovação de uma concessão/"terceirização" de um porto municipal. Em troca, os vereadores conservadores aprovariam a legalização de um prostíbulo. Obviamente trata-se de uma peça ficcional, escrita por um uruguaio.
"Sem precisar olhar, Diáz Grey via a pequena boca rosada, saliente e incorruptível.
- Ele me disse que não se tratava de concessão do porto. Apenas do serviço dos carregadores.
- Nunca - bufou Barthé; sorria no martírio. - Dá lucro. Vai ser um desserviço à comunidade. Talvez esteja desorganizado, mas dá lucro, e pertence ao povo. E, mesmo que não fosse assim, os serviços públicos devem ser administrados pela comunidade, socializados.
- Está certo. Vou dizer pro Arcelo
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- Bom, estou com pressa. Estão me esperando no consultório e tenho duas visitas na Colônia. Eu me comprometi com o Arcelo a transmitir a proposta ao senhor. Os conservadores querem o seu voto para a concessão dos carregadores. Se o senhor votar a favor, eles se comprometem a aprovar o projeto do prostíbulo. Entendido?
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- Entendido? - repetiu Díaz Grey. - E tem mais. Eles se dispõem a favor do prostíbulo, antes, quando o senhor indicar, em troca da sua palavra de que mais adiante irá votar a concessão dos carregadores..."
Juan Carlos Onetti. Junta-cadáveres. 

O nosso "eterno" presente. Palavras de Sílvio Romero.


"Na sua ingênua ignorância, as massas, por outro lado, procuram sempre uma cabeça de turco, uma espécie de bode expiatório, a quem culpam de todas as suas desgraças.
Cada período histórico tem, neste sentido, suas vítimas prediletas.
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É um fato positivo, claro, evidentíssimo, por todos reconhecido e proclamado, que as três classes que têm mais de perto dirigido a vida mental e pública do povo brasileiro - OS POLÍTICOS, OS JORNALISTAS E OS LITERATOS, levaram-na a um tal grau de confusão, pessimismo e desânimo, que nem eles mesmos tomam mais pé no meio dos desatinos que acumularam.
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O câmbio, a hiperprodução do café, as especulações dos bancos estrangeiros, a queda da Monarquia, o militarismo, regímen presidencial, os despotismos oligárquicos dos estados, os gastos supérfluos dos governos, os desfalques nas repartições públicas, a pluralidade de magistraturas, os impostos interestaduais, a falsidade das eleições, os defeituosos programas e métodos do ensino público, a falta de confiança em o novo regímen, a revolta da Armada, a do Rio Grande, a de Canudos... todas essas coisas e outras muitas, têm sido invocadas como causas de nossos males
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Bolsa do café ou monopólio das vendas pelo estado, criação de bancos de crédito agrícola, supressão dos impostos interestaduais, unificação da magistratura, reforma do ensino, reforma da Constituição Federal (aqui variam imensamente as opiniões acerca das bases a propor), restauração da monarquia e ATÉ A DITADURA MILITAR, RECLAMADA EM ALTAS VOZES DAS COLUNAS DE VÁRIOS JORNAIS E ATÉ DA TRIBUNA DO CONGRESSO FEDERAL... todas estas coisas têm sido simultânea ou sucessivamente invocadas como antídoto à enfermidade que nos devora.
Houve até político, literato, jornalista, tido na conta de grande sabedor, que, com todo o desembaraço, nos aconselhou a renúncia da independência e a submissão ao protetorado dos Estados Unidos..
TÃO PROFUNDA É A INCAPACIDADE DESSES LEVIANOS DIRETORES DA OPINIÃO BRASILEIRA!"
O Brasil na primeira década do século XX [1910-1911], Sílvio Romero, pp.106-107.

UM LUGAR-COMUM INVERTIDO




          Se há uma certeza que podemos deduzir das discussões e troca de ofensas em relação a política atual é que elas bem se encaixam na expressão proferida por Bazárov, o niilista de Pais e Filhos, do grande escritor russo Turguêniev.
" - Não existem brigas por mesquinharias para o homem que não quiser dar importância a elas.
- Hm... isso que você disse é um lugar-comum invertido.
- Como? O que você entende por essa expressão?
- É o seguinte: dizer, por exemplo, que a instrução é perniciosa constitui um lugar-comum invertido. Parece mais sofisticado, mas no fundo é a mesma coisa..." Ivan Turgueniêv,Pais e Filhos. p.194.

            O importante comunista italiano, Antonio Gramsci, numa pequena nota dos Cadernos do Cárcere, destacou a passagem de Bazárov justamente para exemplificar o simplismo dos debates políticos na Itália de sua época.
"... Para muitos, ser ´original´ significa apenas inverter os lugares-comuns dominantes numa certa época: para muitos, este exercício é o máximo da elegância e do esnobismo intelectual e moral. Mas o lugar-comum invertido permanece sempre um lugar-comum, uma banalidade. O lugar-comum invertido talvez seja ainda mais banal do que o simples lugar-comum. O bohémien é mais filisteu que o comerciante interiorano. Daí aquele sentimento de tédio que advém da frequência de certos círculos que se acreditam de exceção, que se apresentam como uma aristocracia distanciada da vida ordinária. O democrata é maçante, mas muito mais o é o autoproclamado reacionário que exalta o carrasco e, quem sabe as fogueiras..." Antônio Gramsci, Cadernos do Cárcere, vol.4. p. 141
Como se vê, não importa a época, ou o local, o lugar-comum invertido continua dominando as discussões.