domingo, 4 de dezembro de 2022

A VOZ DOS DERROTADOS

             Nas últimas páginas do livro, Os últimos dias da humanidade, Karl Kraus dá voz ao lamento dos derrotados na 1ª Grande Guerra. 

AS MULHERES DO EXÉRCITO

Prostitutas militares,
Mobilizadas rameiras,
Voltemos a nossos lares, 
Regimento de fuleiras.

Aos heróis sacrificadas, 
Contagiadas pela bravura,
De bochechas bem rosadas, 
E uma sífilis sem cura.

Sangue, vinho, sêmen, choro
Corriam na bacanal.
O que recebemos do namoro
Levamos para o hospital.

Hoje nos veem com nojo:
Tão magras que cai a farda,
Levamos nosso despojo
Lá longe na retaguarda.  

Crescemos em decênios!
Um vendaval há de vir;
E, nesse terrível milênio,
A humanidade extinguir!

O FILHO QUE NÃO NASCEU:

Nós, testemunhas tardias da podridão,
Pedimos-lhes para não nascer: 
Por ser vergonha a traição,
Não nos deixem aparecer!
Pais heróis não querer:
Antes sem glória viver!

Dor e gozo nesta terra!
Por herança o mal venéreo
Legou-me o pai, o animal.
Assim, ao reino não vamos!
Filhos de cadáver somos.
E aqui o ar cheira mal. 

Karl Kraus, Os últimos dias da humanidade. Trad. Mariana Ribeiro de Souza. Ed. Balão Editorial. págs. 311-312