domingo, 22 de fevereiro de 2015

Soneto de Gregório de Matos

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me a fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que ando só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo mar de enganos
Ser louco c´os demais, que ser sisudo.

[Retirado do Volume 3 da coleção, "Gregório de Matos, poemas atribuídos, Códice Asensio-Cunha", Autêntica, pág. 23.]

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O sistema eleitoral nunca convenceu o grande Tragtenberg, e ele estava correto.
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A "doença" eleitoral

Aproxima-se a data das eleições. Não há candidato a cargo eleitoral que não se diga defensor dos trabalhadores. Aí se pergunta: como é que os trabalhadores brasileiros estão desempregados numa grande parte, outros vivendo de biscates, outros obrigados a aceitar trabalho ganhando a metade do que ganharam antes, se aparentemente ele têm tantos "defensores"?
Nenhuma candidato diz que é contra os trabalhadores, que fará conchavos como os patrões para levar o trabalhador "na conversa", dizendo ser seu "representante". Nenhum diz que está aceitando o apoio econômico de empreiteiras de construção civil, empresas particulares de todo tipo que oferecem "doações" em dinheiro ou espécie (carros para a campanha), gasolina e outros "apetrechos" . Tem cidadão comprando voto à custa de oferecer camisas para escolas de samba, bonés. Outros oferecem, além de dinheiro, sacos de cimento para o trabalhador concluir a construção de sua casa-embrião, como sucede em Lages (SC). O processo eleitoral está se transformando no maior "mercadão" do país....

Maurício Tragtenberg, Notícias Populares, 3/10/1982

"Taca-le pau" Tragtenberg
"....A ilusão do peão é que haja governo de peão. Mesmo aquele que foi peão e hoje ingressa em partido político - seja PDT ou PT -, se eleito, deixará a fábrica, frequentará o Parlamento, terá que vestir-se de terno, colete e gravata e, às vezes, usar suspensórios. Com os anos ele esqueceu que foi peão. Numa nova eleição ele lembra de novo que fora peão, aí põe boné, camiseta e vai pedir votos em porta de fábrica. Porque o maior problema para aquele que foi eleito pela primeira vez é ser reeleito. Assim é que começam as carreiras políticas. Vai começar a falar "enrolado", deixar de ser o "ponta firme" na Cipa ou fora dela, para se transformar em "representante do povo" com guarda-costas (segurança), que só fala com peão em hora marcada e distribui cartão de "representante do povo" aos amigos. A defesa do trabalhador reside nele e só nele, na consciência que ele tiver e que ele tem que se organizar a partir do local de trabalho para lutar pelo que é seu, por seus direitos. A auto-organização pelas comissões de fábrica ou bairro é o caminho; abrir mão disso, esperando que alguém, no Parlamento ou ocupando o governo do estado, lute e se lembre dele, é mera ilusão.
O mais urgente para o trabalhador é ter salário digno, moradia digna, educação para ele e seus filhos, atenção médica. E isso ele só conseguirá se confiar na sua auto-organização a partir do local de trabalho, juntando-se a outras categorias de trabalhadores na luta comum. O que o trabalhador precisa se convencer é que não pode ser escada de carreiristas que queiram subir na vida trepados em seu lombo. Sejam essas carreiras as de operários, advogados, médicos, engenheiros, professores ou o diabo a quatro."
Maurício Tragtenberg, Notícias populares, 14/11/1982
"- A inocência pessoal é um resquício da Idade Média, é alquimia. Tolstói declarou que não havia culpados sobre a Terra. Mas nós, tchekistas, propusemos uma tese mais elevada: não existem inocentes sobre a Terra, nem inimputáveis. Culpado é aquele contra o qual foi redigido um mandado, e podem-se redigir mandados contra qualquer um. Todo ser humano tem direito a um mandado. Inclusive aquele que redigiu mandados contra os outros a vida inteira. O mouro cumpriu sua missão, o mouro pode partir." Katzenellebogen, agente da KGB, personagem de "Vida e Destino", Vassili Grossman, pág. 661.
ANO 1987,
"...
Se existe partido político, vertical, ´que faz política´, inevitavelmente faz conchavos, inevitavelmente a grande massa de trabalhadores não participa de suas decisões. Isso leva obrigatoriamente a uma degenerescência burocrática da direção partidária. Imagine se o PT tivesse o poder de Estado. Nem se fale disso, o dano seria muito pior.
Na realidade o que pode ser instrumento de defesa do trabalhador é sua auto-organização a partir da fábrica, dos hospitais, da fazenda, de seu local de trabalho. Só assim poderá ele controlar sua luta. Quando deixa a direção da luta nas mãos da burocracia sindical ou burocradcia do partido político, o trabalhador está perdido. Vira ´vaca de presépio´ esperando que a ´direção´ lute por ele, quando a chamada ´direção´ luta por si, pela ocupação dos cargos burocráticos no aparelho de Estado. Veja-se que ´aparelho de Estado´ não é só o Poder Executivo, é o Poder Legislativo também. Por tudo isso, nada ele tem a esperar da Constituinte e muito tem a esperar de suas forças internas." Maurício Tragtenberg. Notícias Populares, 15/2/1987