Livros de crítica literária nem
sempre estimulam o leitor a ler as obras analisadas; muitos deles tornam os
leitores amedrontados diante das obras. Não é o que acontece com o livro do
poeta e romancista Lêdo Ivo. Após ler Teoria
e Celebração nos sentimos estimulados a ler os autores analisados, trata-se
de uma crítica livre dos aprisionamentos presentes nas teorias literárias;
encontramos desde a análise mais estrita da obra até os detalhes não muito
elogiosos da vida dos autores. É uma crítica literária que se assemelha muito a
praticada durante o início do século XX, onde o conhecimento sobre a literatura
não era ditado pela Universidade, e sim pelos próprios autores e pessoas que
vivenciavam o mundo das letras.
Em
Teoria e Celebração encontramos
ensaios sobre a obra de José de Alencar, Machado de Assis, Manuel Antônio de
Almeida, Raul Pompéia, Augusto dos Anjos, Agrippino Grieco, Manoel Bandeira,
Graciliano Ramos, Cornélio Penna, José Lins do Rego e Marques Rabelo; estão
presentes romancistas, poetas e um crítico literário (Agrippino Grieco). Ao
final do livro temos um ensaio sobre “A morte da literatura brasileira”.
Interessante observar a simplicidade da linguagem, obviamente sem ser pobre,
mas objetivando a clareza; os autores são apresentados em suas grandezas e misérias,
no final desejamos conhece-los melhor do que já foram apresentados por Lêdo
Ivo. Teoria e Celebração foi
publicado em 1976, pela Livraria Duas Cidades.
Para não entregar as joias do livro
sem que o mesmo seja lido, selecionei algumas passagens do texto sobre “A morte
da literatura brasileira”, nele encontramos uma radiografia do mal que a
Universidade pode fazer com a literatura e com os leitores.
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“O Terror que mata as letras está na
comunicação pedagógica ou para/pedagógica que considera a teoria mais
importante do que a prática. Digamos sem medo: o carrasco é o teórico ou
exegeta que embalsama o texto vivo, o censor é o professor. Uma cátedra de
Teoria Literária exerce, sobre a criação artística, atuação semelhante à dos
zelosos servidores públicos que lêem antecipadamente as peças de Plínio Marcos
ou escutam as canções de Chico Buarque de Holanda. Em vez de ensinar aos alunos
como devem proceder para criar, o cognominado mestre inocula neles a ilusão de
que a teoria tem mais importância do que um soneto de Baudelaire ou um conto de
Machado de Assis. Espalha a mentira de que a Poesia fugiu para a música
popular, e não há mais lugar para novos poetas de gabinete, quando o certo é
que um Chico não sucede a um Bandeira, mas a um Noel Rosa. Transmite-lhes a
impostura de que, sem o teórico, nada feito, quando é exatamente o contrário:
tudo está feito antes da teoria literária, e contra ela, ou à sua revelia, no
universo das transgressões inesperadas e sucessivas. ” p.138-139
“... Os professores impõem aos alunos as
regras aterrorizantes de Todorov, Kristeva, Barthes e Adorno. (E tenho
autoridade para fazer esta crítica, já que, meses atrás, uma professora da
Paraíba me comunicou estar produzindo uma monografia sobre as subestruturas
significantes nos segmentos não-discursivos do meu romance Ninho de Cobras, que
é apenas uma história mal contada, como as dos ciganos ou ladrões de cavalos.)
Ou, então, estabelecem critérios discriminatórios, pelos quais a literatura, em
vez de ser uma totalidade, se estilhaça em fragmento e pormenor; resume-se a
alguns autores, beneficiados por certa máfia pedagógica, com a exclusão
implacável de outros. Querem exemplo mais legítimo do Terror do que este, que
faz da literatura um clube de amigos ou um coito de cúmplices, quando ela é por
sua própria natureza uma ocorrência aberta, uma tradição ininterrupta, uma
ilimitada galáxia verbal? ” p.139-140.