terça-feira, 8 de junho de 2010
Quando os santos pecam (II)
Quando os santos pecam (I)
As lições estéticas que uma pessoa pode ter devem ser dadas por ela mesma. Não há nada que corrompa mais o gosto, do que a defesa política de uma obra artística. Nada mais assustador, do que a dependência do santo e dos rituais sagrados.
A crucificação é uma prática recorrente nas artes em geral, e neste texto, especificamente discutirei um caso que envolve a música popular: Bob Dylan. Recentemente foi publicado no Brasil o livro, Like a Rolling Stone, de Greil Marcus (Companhia das Letras, 2010). Marcus foi editor e escreveu sobre rock por vários anos para a Revista Rolling Stone. Uma coletânea parcial dos seus ensaios foi editada pela Editora Conrad, sob o título, A Última Transmissão (1993/2006). Os ensaios de momento, ou seja, no calor do movimento punk e pós-punk nos Estados Unidos e Inglaterra, destacavam bandas como: Gang of Four, Raincoats, P.I.L., The Clash entre outras. Interessantes nesta coletânea são os ensaios que mostram a efervescência de um movimento punk no meio universitário, muito preocupado com a estética musical.
Like a Rolling Stone é um livro sobre a canção homônima de Dylan que apareceu no disco de 1965, Highway 61 Revisited, marco na sua carreira, na música folk, no rock e na cultura underground. O livro traça toda a construção, produção e gravação da música, assim como a sua repercussão no mundo cultural anglo-saxão (talvez, no mundo). Não se trata de uma história musical, pelo contrário, é um ensaio de imaginação poética de quem vivenciou os acontecimentos e com algumas pitadas de história.
Dylan era o símbolo do purismo engajado na música folk, letras poéticas, mas sempre com um objetivo certeiro, a vida do homem comum do meio-leste e as chagas sociais da sociedade estadunidense: o racismo e as humilhações sofridas por uma população não incorporada à sociedade civil. Neste contexto histórico-social, Dylan associava forma e conteúdo, formato folk e engajamento social, e um toque de intelectualismo. Não é preciso mencionar que Dylan sempre destacou a importância de Woody Guthrie (cantor folk dos excluídos) como um de seus mentores “espirituais”, ele manteve laços muito regulares com Pete Seeger, cantor e estudioso do folclore estadunidense. Seeger pertencia a uma família de estudiosos eruditos do folclore, da qual faziam parte os compositores Charles Seeger e Ruth Crawford Seeger, uma das precursoras da música atonal nos Estados Unidos.
Muito cedo, Dylan se tornou o guardião das tradições da música folk, assim como aquele que representava também uma vertente ilustrada da mesma. Esta combinação lhe custaria à crucificação em 1965. (...)