quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A sucessão dos moderados


                  Ao ler tantas postagens sobre o financiamento de campanha nas últimas eleições, ou seja, o monopólio privado de um pequeno número de empresas a financiar todos os candidatos com chances de ganhar, mas uma vez indico a leitura do pequeno livro de Luciano Canfora, "Crítica da retórica democrática". O PSDB erra em questionar a seriedade do sistema eletrônico, e das próprias eleições, ao fazê-lo poê em descrédito, ainda mais, o sistema que garante as bases duráveis daqueles grupos que o partido representa. Aumenta-se o absenteísmo e o voto nulo. Por outro lado, aquele que espera reforma política, pode acomodar-se na sua cadeira, ou melhor numa poltrona. Raymond Aron, um liberal sério, de forma bem lúcida, ao contrário dos liberais ingênuos da classe média brasileira (não tenho certeza se ingênuos ou cínicos), já explicitava que a democracia é o governo oligárquico que garante alguns direitos aos seus cidadãos, mas jamais, o direito de decisão. Antes dele, o italiano Gaetano Mosca já afirmava que o horizonte "insuperável" era o governo da minoria sobre a maioria, mesmo que sob a faixada de uma democracia sufragista.

                Num sistema centrista, organizado para garantir o poder dos partidos moderados, não há chance de mudança. Voltando a reforma política, o nosso parlamento bem se encaixa na realidade de todos os regimes democráticos ocidentais, não passa de um amontoado de gente tecendo outros interesses que não os da maioria sufragista, obviamente os interesses banca.

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"No passado, as elites dominantes dedicavam-se a exercer seu domínio por meio das instituições representativas: em primeiro lugar, pelo parlamento. Contemporaneamente à difusão do sufrágio universal, porém, verificaram-se dois fenômenos: de um lado, o nascimento dos partidos moderados de massa (importantes para a manutenção dos equilíbrios sociais mesmo na presença do tão longamente negado sufrágio universal); de outro, o deslocamento progressivo dos locais de decisão para fora dos parlamentos. Este segundo processo tem um longa história, e, decerto, nas décadas mais próximas de nós, tem celebrado os seus triunfos. As decisões cruciais sobre a política econômica provêm dos organismos técnicos e do poder financeiro, enquanto os parlamentares debatem a 'fecundação assistida'...

[E POR ISSO O QUE É MAIS IMPORTANTE HOJE NÃO É A REFORMA POLÍTICA, MAS SIM A EQUIPE ECONÔMICA E UM PLANO DE AUSTERIDADE]

Naturalmente a competência dos grandes banqueiros é indiscutível. É possível até que eles se imaginem como a moderna encarnação dos reis-filósofos platônicos. Permanece o fato de que a progressiva e irresistível translatio imperii rumo a sedes não eletivas, mas técnicas, é um fenômeno tão central que não pode ser ocultado por detrás da retórica da clara universalidade do mecanismo eletivo-representativo." Luciano Canfora, "Crítica da retórica democrática", 71-72.
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              Enquanto isso, os semiletrados da classe média brasileira ruminam as falas/textos dos gendarmes do noticiário brasileiro, pessoas como Constantino, Azevedo, Kramer, Leitão, e outros/outras. O máximo que esses lambe-botas do jornalismo conseguem é participar de algum evento de final de ano promovido por seus chefes, o que não é pouca coisa.

Música na noite






                A editora LP&M regularmente nos brinda com bons livros, a preços módicos. Entre estes livros posso citar esta bela coletânea de Aldous Huxley, cujos os ensaios foram escritos no final dos anos 1920, e início dos anos 1930, intitulada: "Música na noite e outros ensaios." Leitura obrigatória para os amantes da literatura e da música. Mesmo discordando de algumas abordagens, o livro é um deleite de erudição e sensibilidade. Huxley foi um mestre na escolha de títulos para os seus livros, o mesmo ocorre em relação aos ensaios: "o resto é silêncio"; "meditação sobre a lua"; "guinchos e algaravias"; "sobre os charmes da história e o futuro do passado"; "para o puritano todas as coisas são impuras", etc.
        Esta passagem sobre o silêncio na música é maravilhosa, pondo os compositores nos seus devidos lugares hierárquicos.

"Depois do silêncio, aquilo que mais se aproxima de exprimir o inexprimível é a música. (E, de modo significativo, o silêncio é parte integral de toda boa música. Comparada com a de Beethoven ou Mozart, a torrente ininterrupta da música de Wagner é muito pobre em silêncio. Talvez essa seja uma das razões pelas quais ela parece ser tão menos significativa do que as músicas deles. Ela `diz´ menos porque está sempre falando.)" pág. 21

          Alguns parágrafos depois, ele faz uma observação sobre a expressão musical e a literatura na obra do maior gênio da literatura inglesa.

"A habilidade da música para exprimir o inexprimível foi reconhecida pelo maior de todos os artistas verbais. O homem que escreveu Otelo e Conto de inverno foi capaz de proferir em palavras qualquer coisa que palavras possam de alguma forma ser levadas a significar. E no entanto, sempre que algo num teor de intuição ou emoção mística tivesse de ser comunicado, Shakespeare recorria com regularidade à música para que fosse ajudado ´levar as coisas a cabo´..." pág. 22