quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O debate público no período Goulart

              Diante de toda a irracionalidade do período eleitoral brasileiro, os preconceitos da nossa elite não causam estranheza, pois são expressos de longa data, de tempos em tempos mobilizados por grupos medíocres. Se para muitos os governos petistas podem ser considerados como social neoliberalismo, eles ficam bem distantes do reformismo de Goulart. Quando falamos dos conteúdos em debate nos dois períodos, a diferença é gritante, durante a gestão de Jango, o debate público centrava-se em questões como: reforma agrária, imperialismo, salário mínimo e o voto do analfabeto. 
            A única semelhança com o período atual, é que o debate público de hoje se pauta pela mobilização macabra dos preconceitos de todo o tipo por nossa burguesia e classe média ciosa de um comportamento imitativo. Assim, as palavras de Roberto Schwarz sobre o clima ideológico do pré-golpe guardam muito significado quando consideradas comparativamente com o cenário atual..

"...Já no pré-golpe, mediante forte aplicação de capitais e ciência publicitária, a direita conseguira ativar politicamente os sentimentos arcaicos da pequena burguesia. Tesouros de bestice rural e urbana saíram à rua, na forma da ´Marcha da família, com Deus e pela liberdade´, movimentavam petições contra o divórcio, reforma agrária e comunização do clero, ou ficavam em casa mesmo, rezando o ´Terço da família´, espécie de rosário bélico para encorajar os generais..." "Cultura e política, 1964-1969" in As ideias fora do lugar, Roberto Schwarz, 2014. pág. 19.

               Pelo visto, a direita ficou mais alarmista ainda, pois afirmar ser o governo petista um exemplo de comunismo, é um desconhecimento histórico.
            Seguem duas passagens de Rousseau, que estão presentes no "Fragmento Biográfico" (Textos Autobiográficos, UNESP). A primeira passagem parecem bem atual, diante dos delírios preconceituosos pós-eleição. A segunda passagem retrata de modo bem verdadeiro o que é um debate literário, ou filosófico. 


"...É preciso lançar o véu do esquecimento sobre os momentos errôneos e evitar imputar a uma nação hospitaleira e honesta o delírio de alguns insensatos..." (págs. 66-67)

"...Vi que, em todas as disputas literárias, nunca se trata de ter razão, mas de ser o último a falar, não se trata de verdade, mas de vitória, e que um simples pedante, que seu adversário nem mesmo se digna a olhar, não deixa de colocar-se entre os concorrentes, menos para combater do que par estar por um momento à vista." (pág. 71)

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

"Todas as cópias de um mesmo original se assemelham, mas fazei retratar o mesmo rosto por diversos pintores, dificilmente esses retratos terão entre si a menor relação; são todos bons ou qual é o verdadeiro? Julgai os retratos da alma." Rousseau, "Meu Retrato", Textos autobiográficos, pág. 76.

Mórbida semelhança

            Nos últimos trinta dias, nunca o goiano pareceu tanto com o seu primo rico, o paulista. Mas uma semelhança, meio que "zumbinesca", sempre inferior a matriz, refletida num desejo de voto "aecista"; opiniões conservadoras, beirando o fascismo, ou mesmo, fascistas. Desejo que se materializa até mesmo no clima, uma seca dos diabos.
           Na reunião de professores, a pessoa cita artigos de Dora Kramer, Miriam Leitão e Arnaldo Jabor, como se fossem opiniões avalizadas sobre qualquer coisa.
             Minha esposa chega do consultório médico, e relata a coação da médica: "você vota contra ou a favor do Brasil?". Obviamente vocês já devem ter adivinhado a opção que ela defende como favorável ao Brasil. Tal coação funciona com gente suscetível, e pouco informada, mas imaginem a atitude de má fé que boa parte da classe médica brasileira se presta a fazer neste período eleitoral. Verdadeira corporação que defende reserva de mercado, sem qualquer compromisso com seus pacientes, a classe médica age vampirescamente defendendo o seu estoque de sangue permanente, os usuários de serviços médicos. Isto mesmo, serviços médicos como quaisquer outros serviços, mas que devido ao alto investimento das famílias para terem seus filhos nesta profissão, acabam por pensar que são melhores e têm privilégios.

A civilidade do "primeiro mundo" brasileiro!!

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/10/13/ciclistas-se-queixam-de-pneus-furados-por-tachinhas-em-ciclofaixa-de-sp.htm

A esquerda eleitoral é conivente a farsa parlarmentar

              Os meus amigos que defendem o voto nulo em muitos aspectos têm razão. Um deles merece destaque, por quê os ditos partidos de esquerda não fazem um ataque a sordidez que é o regime parlamentar e as eleições? Não precisa ser um ataque na época das eleições, pode ser depois, obviamente, a questão é outra. O problema é que ninguém quer questionar o próprio sistema metabólico que lhe garante a vida. E por outro lado, são raras as pessoas que se manifestam contra esta farsa, pois tem medo de receberem a pecha de antidemocráticos, totalitários, ou coisa que o valha. Sendo assim, a esquerda eleitoral adora perder eleições, e quando as ganha, chafurda na lama.
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            "Quando a ´riqueza das nações´ dominantes está baseada em longínquos mundos subalternos e dependentes, democratas e antidemocratas (à antiga) - isto é, direita e esquerda (no Ocidente moderno) - numericamente se equilibram. Ou melhor, a tendência é a esquerda perder as eleições. Este é o principal motivo pelo qual as formações políticas de direita ostentam uma particular devoção ao mecanismo parlamentar (vulgarmente chamado `democrático´). E é um dos instrumentos essenciais para o exercício do poder guarnecido de ´consenso´. 
         Na verdade, é impróprio definir como ´democracia´ um sistema político no qual o voto é mercadoria no mercado político, e a admissão ao Parlamento requer um ´dispêndio´ eleitoral fortíssimo por parte do aspirante a ´representante popular´. Esse aspecto entristecedor ( mais ainda no plano ético do que no democrático) e fundamental do sistema parlamentar permanece, em grande parte, obscuro. Contudo, é o pilar básico do sistema. A camada política representa tendencialmente as classes médio-altas e abastadas. Mas é considerado antiparlamentar afirmar abertamente essa verdade de imediata evidência.
            A frequente derrota eleitoral da esquerda nos países ricos de tradição parlamentar consolidada ( que são também os países decisivos do planeta) fica, assim, mais fácil de ser compreendida. À PRIMEIRA VISTA, É CURIOSO QUE JUSTAMENTE A ESQUERDA NÃO APRECIE ENFRENTAR E SE APROPRIAR, E QUEM SABE DIVULGAR, UMA CRÍTICA LÚCIDA DO MECANISMO PARLAMENTAR, DO QUAL É VÍTIMA, POR MEDO DE SER DIFAMADA COM ADJETIVOS E JULGAMENTOS DESONROSOS. É súcuba da cultura de seus adversários.
          Mas, se a esquerda perde muito frequentemente as eleições, isso significa que em geral ela não agrada aqueles a em solicita o consenso. Por que isso acontece? UMA RAZÃO DETERMINANTE É QUE, EM CONDIÇÕES ´NORMAIS´, NOS PAÍSES RICOS E DECISIVOS, A =´MAIORIA´ PREFERE, OU MELHOR, ADORA, OS VALORES, O COMPORTAMENTO E OS MODELOS REPRESENTADOS PELOS DETENTORES DA RIQUEZA. Não é por acaso que os grandes veículos de informação, os jornais, populares ou não, a televisão, etc., costumam tratar exclusivamente da vida (inclusive a vida privada) dos poderosos. Eles são, tanto no plano público quanto no privado, o objeto privilegiado do discurso público. A eventual ´janela´ que surge enfocando a vida de determinadas pessoas comuns só se abre para veicular possivelmente a ´mudança de lugar´de algumas delas na escala social, mudança que talvez tenha se dado por meio desse potente instrumento de poder que é a comunicação de massa." crítica da retórica democrática, Luciano Canfora, págs. 31-32

Quem quer imitar a China?

            O aforismo que segue abaixo diz muito não apenas sobre a realidade política chinesa, mas também sobre a farsa do discurso liberal preocupado com a ideia de democracia. Se nos 1980 e 1990, a China era mais um diabo totalitário, a partir dos anos 2000, as praças Tienanmen foram esquecidas, e a China virou parâmetro da melhor receita econômica. Estranho mesmo é ver assalariado defender este modelo econômico, que implica na inexistência de direitos trabalhistas. Mas vamos ao desejo de Deng-Xiaoping:

              "Em qualquer nação, em qualquer época, há pelo menos um por cento de cidadãos rebeldes a qualquer autoridade. Aqui, porém, entre um bilhão e duzentos milhões de chineses, um por cento significa doze milhões de rebeldes nas praças".

Judas e o calor

               Diante do calor infernal goianiense, não tenho a menor satisfação em dizer que pelo menos não é o calor do Pará. No entanto, os meus conterrâneos estão em festa hoje, no calor dos infernos peculiar de Belém, mas eles têm uma baia gigantesca, praias, rios e igarapés. Voltando ao calor goianiense, pois é impossível dormir até mais tarde, o sol bate à sua janela já por volta das 6:00h da manhã, então o jeito é ficar de pé e fazer a leitura matinal. Desta segue um trecho do mestre Graciliano Ramos, da época em que vivia nas Alagoas, lá também grassam maravilhosas praias. Tudo conspira contra Goiânia!!! Vamos ao trecho retirado de um texto de 1921.
              "Quem é santo nestes tempos prosaicos em que o dólar governa o mundo? As consciências tornaram-se mercadoria vulgar. As almas vendem-se e vendem-se caro.
              Judas hoje não se enforcaria. Já nenhum traidor se enforca. Trinta dinheiros eram, talvez, uma quantia insignificante, capaz de levar um homem ao desespero de passar uma corda no pescoço. Atualmente é possível obter somas tentadoras, que dão rendimentos consideráveis a um traidor que se respeita.
            Nenhum Iscariotes se suicida. Se os contemporâneos seguissem o exemplo do antigo, não haveria no mundo figueiras que bastassem para pendurar tantos laços..." Graciliano Ramos, "Judas", 1921.

OS OLAVETES PIRAM, POIS NEM MESMO OS ENSINAMENTOS DE GRAMSCI SERVIRAM DE ORIENTAÇÃO PARA A GESTÃO PETISTA

Para quem estiver disposto a refletir um pouco sobre as eleições e a inépcia da gestão petista em alguns aspectos.
"§30. O número e a qualidade nos regimes representativos. Um dos lugares-comum mais banais que se repetem contra o sistema eletivo de formação dos órgãos estatais é o de que ´nele o número e lei suprema´ e que a ´opinião de um imbecil qualquer que saiba escrever ( e mesmo de uma analfabeto, em determinados países) vale, para efeito de determinar o curso político do Estado e à Nação suas melhores forças´, etc. (as formulações são muitas, algumas até mais felizes do que a citada, que é de Mario da Silva, na Crítica Fascista de 15 de agosto de 1932, mas o conteúdo é sempre igual). O fato, porém, é que não verdade, de modo algum, que o número seja a ´lei suprema´ nem que o peso da opinião de cada eleitor seja ´exatamente´ igual. Os números mesmo neste caso, são um simples valor instrumental, que dão uma medida e uma relação, e nada mais. E, de resto, o que é que se mede? Mede-se exatamente a eficácia e a capacidade de expansão e de persuasão das opiniões de poucos, das minorias ativas, das elites, das vanguardas, etc., etc., isto é, sua racionalidade ou historicidade ou funcionalidade concreta. Isto quer dizer que não é verdade que o peso das opiniões de cada um seja ´exatamente´igual. As ideias e as opiniões não ´nascem´ espontaneamente no cérebro de cada indivíduo: tiverem um centro de formação, irradiação, de difusão, de persuasão, houve um grupo de homens ou até mesmo uma individualidade que as elaborou e apresentou na forma política de atualidade. O número dos ´votos´ é a manifestação terminal de um longo processo, no qual a maior influência pertence exatamente aos que ´dedicam ao Estado e à Nação suas melhores forças´ (quando são tais). Se este pretenso grupo de excelências, apesar das infindáveis forças materiais que possui, não obtém o consenso da maioria, deve ser julgado ou inepto ou não representante dos interesses ´nacionais´, que não podem prevalecer quando se trata de induzir a vontade nacional num sentido e não noutro. ´Desgraçadamente´, cada um é levado a confundir seu próprio ´particular´ com o interesse nacional, e, portanto, a considerar ´horrível´, etc., que a decisão caiba à ´lei do número´; o melhor é se tornar elite por decreto. Não se trata, portanto, de que os que ´têm muito´ intelectualmente se sintam reduzidos ao nível do último analfabeto, mas de que alguns presumam ter muito e pretendam tirar do homem ´comum´ até mesmo aquela fração infinitesimal de poder que ele possui para decidir sobre o curso da vida estatal" Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere vol.3, págs. 81-82.