segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A quem serve aquele que carrega o ódio nos olhos

           No conto, Cambrino, Aleksandr Ivánovitch Kuprin relata em uma passagem muito pertinente como aquele que na multidão dos que estão encolerizados, pode ser usado para os fins mais odientos e irracionais. O conto trata de uma cervejaria e de seu ilustre músico judeu, Sachka, que foi perseguido de várias formas e em diferentes momentos, inclusive nos pogroms ocorridos durante o czarismo. Principalmente o de 1907, é bom enfatizar que Kuprin foi jornalista, e realmente conheceu um músico de características semelhantes.

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            "Aquando dos pogroms, Sachka andava livremente pelas ruas, com a sua cara engraçada de macaco, bem judia. Não buliam com ele. Tinha uma bravura inabalável de espírito, o destemor do temor, que protege até os fracos melhor do que quaisquer Brownings. Mas uma vez, quando, apertado à parede de um prédio, se desviou de uma multidão, que fluía qual furacão, um pedreiro, de camisa vermelha e avental branco, brandiu o escopro sobre ele e pôs-se a rugir:
              - Ju-deu!Batei neste judeu! Arrancai o seu san-n-gue!
              Mas alguém lhe segurou o braço por trás.
              - Pára, diabo. Este é o Sachka. Deixa-o em paz, seu filho de uma rameira imunda...
              - O pedreiro deteve-se. Naquele absurdo instante de loucura e embriaguez estava disposto a matar quem quer que fosse - o pai, a irmã, o padre, e até o deus mais ortodoxo -, mas também estava disposto a obedecer a qualquer vontade firme.
              Deu um sorriso largo, como um idiota, cuspiu e limpou o nariz com as costas de uma mão. De repente, porém, os seus olhos caíram sobre um cãozinho branco e agitado, que, a tremer, se esfregava na parede, ao pé Sachka. Agachando-se agilmente, ele o agarrou pelas pernas traseiras, levantou-o alto, bateu-lhe com a cabeça na laje da calçada e saiu a correr. Sachka olhou para ele  em silêncio. O homem corria inclinado para a frente, com os braços estendidos, sem gorro, de boca aberta e com os olhos redondos e brancos de loucura.
              Os miolos de Biélotchka, respingaram as botas de Sachka. Ele limpou a mancha com um lenço." Aleksandr Krupin, Cambrino, In: O bracelete de granadas. pp. 103-104

       Destaquei duas passagens curtas feitas por José Honório Rodrigues, as quais foram retiradas do seu ensaio sobre a Revolução de 1930, mas que ao retratarem a política brasileira, parecem atemporais.

         "E isto está sintetizado na famosa frase de Antônio Carlos: ´Façamos a revolução agora, antes que o povo a faça´, o que lembra a de D. João VI ao dizer a D. Pedro:´Ponha a coroa na sua cabeça, antes que algum aventureiro o faça´, posição sempre assumida pelo conservadorismo brasileiro, que teme mais que tudo o seu próprio povo".  O movimento revolucionário de 1930, a situação econômica, social e política, In: História Viva. pág. 88.

         "O povo brasileiro é historicamente um povo derrotado pela minoria dominante". O movimento revolucionário de 1930, a situação econômica, social e política, In: História Viva. pág. 88.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A felicidade

"...Ah, então temos mais um sábio? Ora, ora. Achega-te... Não saberias em que está a felicidade?
          O sábio - e ele era um verdadeiro sábio - respondeu:
- A felicidade está no esplendor do pensamento humano.
O soberano  teve um estremecimento de sobrancelhas e entro a gritar, colérico:
- Ora! O pensamento humano! Que é o pensamento humano?
O sábio - pois ele era um verdadeiro sábio - apenas sorriu, compadecido.
Então, o imperador ordenou que o atirassem à masmorra, onde havia escuridão eterna e não penetrava  nenhum som de fora. Um ano depois, conduziram a ele o cativo, que ficara cego e surdo e mal se aguentava em pé.
- Então? Ainda és feliz agora?
O sábio respondeu tranquilamente:
- Sim sou feliz. Na prisão, fui imperador, dono de tesouros, amei, tive mesa farta, passei fome, e tudo isso me foi dado pelo meu pensamento.
- Mas que é o pensamento ?! - exclamou o monarca com impaciência - Pois fica a saber que, daqui a cinco minutos, eu te enforcarei e cuspirei no teu rosto maldito! Então, ainda te consolará o teu pensamento? Onde estarão, então, os pensamentos, que desperdiçaste pelo mundo?
O sábio respondeu-lhe tranquilamente, pois era um verdadeiro sábio:
- Parvo! O pensamento é imortal."

                                                  Aleksandr Ivánovitch Kuprin, "A felicidade". O bracelete de granadas. pp. 37-38.