domingo, 30 de outubro de 2016

"E depois a gente rica não gosta de ouvir os pobres se queixando da sua má sorte - dizem que incomodam, que são impertinentes! A pobreza é sempre impertinente mesmo - talvez porque seus gemidos famintos lhes perturbem o sono!" Gente Pobre, Dostoiévski, pág. 138
         Minha homenagem ao "velho Graça", talvez um "russo" em terras tupiniquins...
"Não há opinião pública: há pedaços de opinião, contraditórios. Uns deles estariam do meu lado se eu matasse Julião Tavares, outros estariam contra mim. No júri metade dos juízes de fato lançaria na urna a bola branca, metade lançaria a bola preta. Qualquer ato que eu praticasse agitaria esses retalhos de opinião. Inútil esperar unanimidade. Um crime, uma ação boa, dá tudo no mesmo. Afinal já nem sabemos o que é bom e o que é ruim, tão embotados vivemos." Angústia, Graciliano Ramos
         Brasil e Rússia, dois irmãos separados por um oceano e milhares de quilômetros de terra. Aqui Gógol teria o mesmo final que teve na Rússia, procuraria uma solução mística, pois querer compreender a realidade brasileira deixa qualquer um perturbado.
          Ou nas palavras de um personagem dostoievskiano ...
"...Entretanto, era como se tudo contribuísse para a impressão má e desagradável, em suma, uma coisa puxa outra; de tudo depreendemos algo que se assemelha à nossa situação, e é sempre assim que acontece..." Makar Alieksiêievitch, Gente Pobre, Dostoiévski.
        Dostoiévski foi preso em 1849, juntamente com todo o círculo de Petrachévski, jovens intelectuais, estudantes e escritores. Na época reuniam-se para discutir os problemas sociais da Rússia, principalmente o fim da servidão. Uma das medidas adotadas pelo ministro da Educação da época foi abolir o ensino de filosofia e metafísica das universidades russas, "... e os cursos de lógica e de psicologia foram entregues a professores de teologia..". Nicolau I era o czar no período. (Dostoiévski, os anos de provação. Joseph Frank, pág. 25.)
       Lá se vão duas décadas da minha relação com a literatura russa, paixão juvenil que nunca acabou, sempre se renova. No início era aquela coisa intimista e pessimista, instilada por Dostoiévski. Os anos passaram, o que era uma relação intimista deixou de sê-lo, pois foram vários anos de leituras historiográficas e sociológicas. Há muito penso nas similitudes entre o nosso modo de ser e o do povo russo, o que sempre é reafirmado após a leitura de uma obra ainda desconhecida. Esses dias li, "Uma história desagradável", de Dostoiévski, conto que tematiza a tentativa malograda de um alto funcionário com boas intenções em misturar-se com o povo.
        No posfácio de Aleksei Riémizov encontrei um trecho que me parece sintetizar uma característica também nossa...

       "No mundo ´falso´ concebido por mim, apenas um tolo pode ´sonhar´, enquanto o ´homem de ação´é sempre um cabeça-dura (limitado); ou então, ser ´honrado´ significa que não se teve ocasião de ser particularmente desonesto com ninguém, e qualquer um pode ser ´maligno´, e apenas o ´idiota´ é sem maldade; o ´homem direito´ é um covarde e um escravo, e o ´bondoso´só o é até que lhe peçam dinheiro."
        Essa nossa capacidade de fazer discursos sobre a virtude, mas não a professarmos, e pior ainda, zombamos daqueles que mesmo parcialmente conseguem fazê-lo.