domingo, 16 de outubro de 2022

O PATRIOTA

 "Explico. É claro que não temos nenhuma privação, mas as pessoas a suportam brincando - este é o nosso segredo. Há muito tempo somos bons nisso."

                O patriota, esse sim é capaz de suportar todas as dores e manter o otimismo. Mas ao contrário do Pangloss de Voltaire, o patriota quando de carne e osso é o instrumento das maiores atrocidades. Quando Karl Kraus escreveu a peça, Os últimos dias da Humanidade, tinha em mente fazer relato muito fiel do que pensavam os homens, fossem comuns ou poderosos, apoiadores da guerra. Uma pena esta peça ter somente uma edição em português brasileiro, praticamente impossível de ser adquirida.




Pessoas como nós são sempre infelizes tanto neste quanto no outro mundo!

         Não por acaso Alban Berg escolheu a peça de Georg Büchner como libreto e criou uma das óperas mais dissonantes do século XX. Um baita texto no qual Wozzeck sintetiza todas as contradições do homem comum moderno, entre a cruz e a espada.
        "Nós, os pobres! O senhor vê, meu capitão, dinheiro, dinheiro! E quem não tem dinheiro?! Experimente tentar trazer ao mundo uma criança de maneira moral! Também somos de carne e osso! Sim, se eu fosse um senhor, se tivesse um chapéu, um relógio e um monóculo e soubesse falar de maneira fina, então também eu seria virtuoso! Deve ser uma bela coisa ser virtuoso, meu capitão. Mas eu não passo de um pobre diabo! Pessoas como nós são sempre infelizes tanto neste quanto no outro mundo! Creio que se fossemos par o céu, seriamos forçados a trabalhar para ajudar a detonar o raio!" Wozzeck, Büchner (Tradução de Mario Willmersdorf Júnior)
              O trecho supracitado foi retirado do libreto traduzido para a edição em CD, da ópera Wozzeck de Alban Berg, pela Wiener Philharmoniker com regência de Claudio Abbado. Há outra tradução da peça, a qual foi publicada na coletânea, Büchner - na pena e na cena, pela Editora Perspectiva com tradução de Ingrid Dormien Koudela.

Nela Vive a Alma de Seu Povo

            Lauro Machado Coelho foi um escritor/musicólogo pouco reconhecido em vida no Brasil. Sua extensa obra permeia mais de 20 livros (posso estar equivocado, provavelmente um número maior), sobre música e poesia. Traduziu a poeta Anna Akhmátova, entre outros soviéticos. Mas gostaria de destacar aqui, o livro, Béla Bartók (Nela Vive a Alma de Seu Povo), pela extinta editora Algol. Livro maravilhoso por nos apresentar o percurso de vida do compositor húngaro Béla Bartók, e mais do que isso, nos mostrar que existem várias formas de nacionalismo.

            Bartók como compositor e pesquisador do folclore teve reconhecimento acadêmico fora da Europa. Em suas obras observamos a união do elemento específico da cultura húngara com a modernismo na música. E para além da música, ele foi um antinazista em todos os sentidos. Quando homenageado pelo governo fascista de plantão na Hungria, prontamente recusou a homenagem, argumentando que enquanto existissem ruas nas cidades da Hungria homenageando membros da cúpula nazista alemã não aceitaria qualquer homenagem do governo. Pagou o preço com perseguições difamatórias, perda de recursos financeiros, e o exílio. Em certo momento morou em um apartamento cedido pelo pai de Gyorgy Lukács, pois não tinha recursos para alugar uma moradia.

           Aqueles que puderem, leiam as obras de Lauro Machado Coelho. Ele fez uma belíssima tradução da poesia de Anna Akhmátova, editada pela Algol, que vinha acompanhada de um CD com os poemas declamados por Beatriz Segall.