sexta-feira, 31 de maio de 2013

"P.M."

              Os defensores brasileiros de Cuba, encontram diversas formas para justificarem, ou omitirem,  os absurdos que acontecem (o que já aconteceram) na ilha do Doutor Castro. Alguns afirmam que ali nunca houve perseguição política, censura ou campos de trabalhos forçados para os homossexuais; assim como a fabricação de suicídios. Outros acreditam piamente que Yoani Sánchez é uma agente da C.I.A., sendo suas críticas um roteiro estabelecido no inferno mais ao norte.  Outros, muitos no governo brasileiro, consideram que somente são abjetas, as torturas e a censuras cometidas em governos ditatoriais de direita, quando ocorrem no leito do rio que leva ao paraíso, estas práticas no máximo podem ser chamadas de efeitos colaterais. Ainda existem aqueles que cientes dos custos a pagar ao diabo da revolução, afirmam que é preciso eliminar todos aqueles que se opõem a mesma. Tenho menos medo destes, pois sei o que podem fazer.
               Décadas de regime castrista, e ainda vemos no Brasil gente repetindo ingenuamente, para ser bondoso, a mesma credulidade de Haydée Santamaría (chefe da Casa de las Américas, na década de 1960) que ao visitar a U.R.S.S. acreditou nas palavras da Ministra da Cultura, Ekaterina Furtseva, que apresentava a sua versão para o desaparecimento de vários escritores e intelectuais dentro do primeiro paraíso comunista na Terra. "(...) 'Em Moscou, conheci Ekaterina Furtseva. Você sabe, a ministra da Cultura. Uma mulher magnífica!', o que ela era, 'e tão amável', o que não era, a famosa Sorriso de aço. 'Sabe o que ela fez? A ministra Furtseva me explicou, de mulher para mulher (ou melhor, de companheira para companheira), o que aconteceu com os escreitores e artistas que morreram na época de Stalin. Eles não foram mortos por serem poetas herméticos, romancistas burgueses e pintores abstratos. Não, na verdade foram fuzilados porque eram espiões nazistas, e não artistas. Você pode imaginar uma cosa destas? Todos agentes de Hitler! Não houve outra saída  a não ser exterminá-los. Entende?' (...)" (Mea Cuba, Guilhermo Cabrera Infante, 1996, p. 93)
                Em 1961, um pequeno documentário de treze minutos, realizado por Sabá Cabrera Infante e Orlando Jiménez-Leal, causou uma verdadeira inquisição na ilha do Doutor Castro. Aquela pequena peça de vídeo, aparentemente sem consequências políticas, pois mostrava apenas pessoas comuns se divertindo na noite havanera, iniciou um processo de perseguição ao diretor do suplemento literário Lunes, no caso Guilhermo Cabrera Infante. Montou-se um julgamento informal, no qual vários intelectuais e o próprio Castro participaram, dando início ao rompimento de Cabrera Infante com o melhor dos regimes possíveis. 
                 Muitos, de má fé, argumentarão que se trata de falas de um dissidente, entretanto, são muitos os dissidentes que confirmam tudo o que Cabrera Infante relatou. Mas, segue abaixo o documentário para quem quiser ver, e então arriscar a responder o que mais incomodou a censura da ilha do Doutor Castro. Foi a felicidade daquelas pessoas bebendo e dançando? A presença de homossexuais em um dos bares? O fato daquelas pessoas não estarem sisudas, preocupadas com os seus afazeres revolucionários.


                     

segunda-feira, 27 de maio de 2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

American Music Club

              Aqui vai uma das melhores músicas de uma banda pouco conhecida no Brasil, American Music Club, liderada pelo excelente letrista Mark Eitzel: "What Holds the World Together" ; álbum, "San Francisco" (1994).

domingo, 19 de maio de 2013

Lúcio Cardoso por Clarice Lipector

                Clarice Lispector tem trechos citados a atacado, entretanto isto não faz de sua obra menos importante, ou sem qualidade, já que hoje, os excessos de exposição combinam com falta de conteúdo. Talvez, muitos citem-na sem compreender a complexidade e sutileza da sua visão sobre as relações humanas. Outro autor, enigmático e genial, foi Lúcio Cardoso, pelo qual Clarice Lispector nutria profundo respeito, muito mais que respeito, uma profunda identidade, ambos deslocados no mundo. Ambos com uma percepção para o humano, diferente das dos demais, únicos em desvendar os mistérios da intimidade.
                 Em homenagem a Lúcio Cardoso, reproduzo aqui o "epitáfio" escrito por Clarice Lispector após a morte do autor. Não diria um epitáfio, mas uma declaração de amor, de tristeza por perder aquele que mais próximo dela sentia as dores do mundo, da intimidade.

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LÚCIO CARDOSO*

Clarice Lispector

Lúcio, estou com saudade de você, corcel de fogo que você era, sem limite para o seu galope.
               Saudade eu tenho sempre. Mas, saudade tristíssima, duas vezes.
               A primeira quando você repentinamente adoeceu, em plena vida, você que era a vida. Não morreu de doença. Continuou vivendo, porém era homem que não escrevia mais, ele que até então escrevera por uma compulsão eterna gloriosa. E depois da doença, não falava mais, ele que já me dissera das coisas mais inspiradas que ouvidos humanos poderiam ouvir. E ficara com o lado direito todo paralisado. Mais tarde usou a mão esquerda para pintar: o poder criativo nele não cessara.
             Mudo ou grunhindo, só os olhos se estrelavam, eles que sempre haviam faiscado de um brilho intenso,  fascinante e um pouco diabólico.
             De sua doença restaria também o sorriso: esse homem que sorria para aquilo que o matava. Foi homem de se arriscar e de pagar o alto preço do jogo. Passou a transportar para as telas, com a mão esquerda (que, no entanto, era incapaz de escrever, só de pintar) transparências e luzes e levezas que antes ele não parecia ter conhecido e ter sido iluminado por elas: tenho um quadro, de antes da doença, que é quase totalmente negro. A luz lhe viera depois das trevas da doença.
            A segunda saudade foi já perto do fim.
           Algumas pessoas amigas dele estavam na ante-sala de seu quarto no hospital e a maioria não se sentiu com força de sofrer ainda mais ao vê-lo imóvel, em estado de coma.
            Entrei no quarto e vi o Cristo morto. Seu rosto estava esverdeado como um personagem de El Greco. Havia a Beleza em seus traços.
           Antes, mudo, ele pelo menos me ouvia. E agora não ouviria nem que eu gritasse que ele fora a pessoa mais importante da minha vida durante a minha adolescência. Naquela época ele me ensinava como se conhecem as pessoas atrás das máscaras, ensinava o melhor modo de olhar a lua. Foi Lúcio que me transformou em ´mineira´: ganhei o diploma e conheço os maneirismos que amo nos mineiros.
           Não fui ao velório, nem ao enterro, nem à missa porque havia dentro de mim silêncio demais. Naqueles dias eu estava só, não podia ver gente: eu vira a morte.
            Estou me lembrando de coisas. Misturo tudo. Ora ouço ele me garantir que eu não tivesse medo do futuro porque eu era um ser com a chama da vida. Ele me ensinou o que é ter chama da vida. Ora vejo-nos alegres na rua comendo pipocas. Ora vejo-o encontrando-se comigo na ABBR, onde eu recuperava os movimentos de minha mão queimada e onde Lúcio, Pedro e Míriam Bloch chamavam-no à vida. Na ABBR caímos um nos braços do outro.
         Lúcio e eu sempre nos admitimos: ele com sua vida misteriosa e secreta, eu com o que ele chamava de ´vida apaixonante´. Em tantas coisas éramos tão fantásticos que, se não houvesse a impossibilidade, quem sabe teríamos nos casado.
sobre Lúcio? Você contaria de seus anseios e alegrias, de suas angústias profundas, de sua luta com Deus, de suas fugas para o humano, para os caminhos do Bem e do Mal. Você, Helena, sofreu com Lúcio e por isso mesmo mais o amou.
           Enquanto escrevo levanto de vez em quando os olhos e contemplo a caixinha de música antiga que Lúcio me deu de presente: tocava  com em cravo a Pour Élise. Tanto ouvi, que a mola partiu. A caixinha de música está muda? Não. Assim como Lúcio não está morto dentro de mim.

* Retirado de a "Crônica da Casa Assassinada", Edição Crítica, ALLCA XX.

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