quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Teoria e Celebração, Lêdo Ivo



              Livros de crítica literária nem sempre estimulam o leitor a ler as obras analisadas; muitos deles tornam os leitores amedrontados diante das obras. Não é o que acontece com o livro do poeta e romancista Lêdo Ivo. Após ler Teoria e Celebração nos sentimos estimulados a ler os autores analisados, trata-se de uma crítica livre dos aprisionamentos presentes nas teorias literárias; encontramos desde a análise mais estrita da obra até os detalhes não muito elogiosos da vida dos autores. É uma crítica literária que se assemelha muito a praticada durante o início do século XX, onde o conhecimento sobre a literatura não era ditado pela Universidade, e sim pelos próprios autores e pessoas que vivenciavam o mundo das letras.
                Em Teoria e Celebração encontramos ensaios sobre a obra de José de Alencar, Machado de Assis, Manuel Antônio de Almeida, Raul Pompéia, Augusto dos Anjos, Agrippino Grieco, Manoel Bandeira, Graciliano Ramos, Cornélio Penna, José Lins do Rego e Marques Rabelo; estão presentes romancistas, poetas e um crítico literário (Agrippino Grieco). Ao final do livro temos um ensaio sobre “A morte da literatura brasileira”. Interessante observar a simplicidade da linguagem, obviamente sem ser pobre, mas objetivando a clareza; os autores são apresentados em suas grandezas e misérias, no final desejamos conhece-los melhor do que já foram apresentados por Lêdo Ivo. Teoria e Celebração foi publicado em 1976, pela Livraria Duas Cidades.
            Para não entregar as joias do livro sem que o mesmo seja lido, selecionei algumas passagens do texto sobre “A morte da literatura brasileira”, nele encontramos uma radiografia do mal que a Universidade pode fazer com a literatura e com os leitores.

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“O Terror que mata as letras está na comunicação pedagógica ou para/pedagógica que considera a teoria mais importante do que a prática. Digamos sem medo: o carrasco é o teórico ou exegeta que embalsama o texto vivo, o censor é o professor. Uma cátedra de Teoria Literária exerce, sobre a criação artística, atuação semelhante à dos zelosos servidores públicos que lêem antecipadamente as peças de Plínio Marcos ou escutam as canções de Chico Buarque de Holanda. Em vez de ensinar aos alunos como devem proceder para criar, o cognominado mestre inocula neles a ilusão de que a teoria tem mais importância do que um soneto de Baudelaire ou um conto de Machado de Assis. Espalha a mentira de que a Poesia fugiu para a música popular, e não há mais lugar para novos poetas de gabinete, quando o certo é que um Chico não sucede a um Bandeira, mas a um Noel Rosa. Transmite-lhes a impostura de que, sem o teórico, nada feito, quando é exatamente o contrário: tudo está feito antes da teoria literária, e contra ela, ou à sua revelia, no universo das transgressões inesperadas e sucessivas. ” p.138-139
“... Os professores impõem aos alunos as regras aterrorizantes de Todorov, Kristeva, Barthes e Adorno. (E tenho autoridade para fazer esta crítica, já que, meses atrás, uma professora da Paraíba me comunicou estar produzindo uma monografia sobre as subestruturas significantes nos segmentos não-discursivos do meu romance Ninho de Cobras, que é apenas uma história mal contada, como as dos ciganos ou ladrões de cavalos.) Ou, então, estabelecem critérios discriminatórios, pelos quais a literatura, em vez de ser uma totalidade, se estilhaça em fragmento e pormenor; resume-se a alguns autores, beneficiados por certa máfia pedagógica, com a exclusão implacável de outros. Querem exemplo mais legítimo do Terror do que este, que faz da literatura um clube de amigos ou um coito de cúmplices, quando ela é por sua própria natureza uma ocorrência aberta, uma tradição ininterrupta, uma ilimitada galáxia verbal? ” p.139-140.


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