quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

               Daqui da minha estância de repouso, Barra do Garças, estava relutante em postar o trecho que vai abaixo, não pelo potencial explosivo do mesmo, pois acho bem brando. Mas, devido ao momento, a suscetibilidade de alguns está por um fio. Como sou um iconoclasta, e os anos não abrandaram esta minha característica, pelo contrário, eles o reforçaram, segue o trecho de Aldous Huxley....

"... Um dos argumentos típicos em favor da imortalidade platônica e cristã é este: se não houvesse uma vida futura, ou de todo modo nenhuma crença numa vida futura, os homens estariam justificados em se comportar como animais e, estando justificados, sem demora começariam a seguir todos o conselho de Horácio e do Pregador para que não fizessem nada exceto comer até estourar, encher a cara e copular. Mesmo um homem da inteligência de Dostoiévski afirma de maneira oracular que ´todas as coisas seriam permitidas´caso não houvesse nada semelhante à imortalidade. Esses moralistas parecem esquecer que existem muitos seres humanos que simplesmente não querem passar suas vidas comendo, bebendo e fazendo festa ou, de modo alternativo, como heróis russos, estuprando, assassinando e torturando moralmente seus amigos. O tédio mortal da vida horaciana e o desprazer nauseabundo da vida dostoievskiana seriam mais do que suficientes, com sobrevivência ou sem sobrevivência, para me manter de qualquer maneira (nesses assuntos uma pessoa só pode falar por si mesma) inabalável no caminho estreito do dever doméstico e do trabalho intelectual. Porque o caminho estreito conta com uma perspectiva incomparavelmente mais favorável do que a trajetória da luxúria; realizados, os deveres domésticos são uma fonte de felicidade, e o trabalho intelectual é recompensado pelo mais intensos deleites. Não é a esperança do céu que me impede de mergulhar naquilo que é tecnicamente conhecido como uma vida de prazeres; é simplesmente o meu temperamento. Acontece que eu considero a vida de prazeres chata e dolorosa. E eu a consideraria chata e dolorosa mesmo se ficasse provado para mim de forma irrefutável que o meu destino era ser extinto ou, pior, sobreviver sob a forma de uma sombra soltando guinchos e algaravias - como uma das ´cabeças fracas´, na expressiva formulação de Homero. Nekuôn amenêna karêna - as cabeças fracas dos mortos. As pessoas que já compareceram a sessões espiritualistas irão concordar que a descrição é dolorosamente precisa." Guinchos e algaravias em "Música na noite & outros ensaios", págs. 85-86.

Nenhum comentário: