segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O verdadeiro professor

         No livro, Antes do Fim, Ernesto Sabato faz uma curta autobiografia memorialística onde relembra experiências marcantes em sua vida.  Entre elas há um belo relato sobre sua experiência com Pedro Henríquez Ureña, intelectual latino-americano com obra ensaística reconhecida internacionalmente.  É tocante o relato da fala de Pedro Henríquez Ureña, sua humildade e censo de dever, algo bastante diferente do delírio grandiloquente da aristocracia de cátedra que há no Brasil, nas universidades públicas.

"Na época em que eu cursava o primeiro ano, soubemos que teríamos como professor um ´mexicano´, que a rigor era portoriquenho. E sinto um nó na garganta ao recordar a manhã em que vi entrar na sala de aula esse homem silencioso, aristocrata em cada um de seus gestos, que com palavra comedida impunha uma secreta autoridade: Pedro Henríquez Ureña. Um ser superior, tratado com mesquinharia e reticência por seus colegas, com o típico ressentimento dos medíocres, a ponto de nunca ter chegado a professor titular de nenhuma das faculdades de letras.

        A ele  devo minha aproximação aos grandes autores, e sua sábia advertência que ainda recordo: ´Onde termina a gramática começa a grande arte´. Porque ele não era partidário de uma concepção purista da linguagem, ao contrário, estava perto de Vossler e Humboldt, que consideravam o idioma uma força viva em permanente transformação...
        Mais tarde, voltando a viajar de trem, sonhei com encontrar esse professor do meu secundário, sentado em algum vagão, com a valise cheia de lições corrigidas, como daquela vez - há tanto tempo! - em que viajamos juntos e eu lhe perguntei, condoído de ver como ele dedicava os anos a tarefas menores, ´Por que, don Pedro, o senhor perde tempo com essas coisas?´. E ele, com seu amável sorriso, respondeu: ´Porque entre eles pode haver um futuro escritor´.
        Quanto devo a Henríquez Ureña!..." Ernesto Sabato, Antes do Fim. páginas 37-38


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