sábado, 19 de janeiro de 2013

Outra faceta de McCullers


       O "Coração é um caçador solitário", romance de Carson McCullers, não é lido sem deixar marcas. Felizmente a editora Novo Século publicou outros livros dela, e num deles, há uma coletânea de poesias da qual retirei a que segue abaixo. 

Sarabanda

Escolhe tuas tristezas se possível;
Edita as ironias, até mesmo finge o luto.
Adapta-se a um mundo dividido
Que exige que tua pura razão incline-se a embustes astutos
O que a alquimia natural concede
Ao miserável garoto de sujos cabelos de mercearia
O resplendor de Apolo, ou o mítico olhar fixo que a Jacinto
se associa.
Se deves atravessar a April Park, sejas ligeiro:
Evita a cadência da noite, olhos ao longe acampados
Para que do risco de segurança não sejas obreiro
Pede apenas o céu estrelado

Teus nervos desesperados fundem alegria e desastre
E confusas risadas, uma vez que começam,
Coroam diversas desordenadas tristezas
Com as quais não poderias, uma por uma, lidar.
O mundo que concorda com tua delicadeza
Enjaula tua luxúria.
Desnorteado pelo paradoxo de toda a tua necessidade
Mudando de horizonte para horizonte, do meio-dia ao sol
que se evade:
Talvez só tu possas compreender:
Numa tarde branda de mar azul e dourado
Quando o céu tem, como um vaso chinês, um suave azulado
Os ossos de Hart Crane, os marinheiros e o homem da botica
Tamborilam a mesma sarabanda no chão do oceano.

Carson McCullers
Coração Hipotecado, p. 342-343

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