quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Definições de ateu (2)

O verdadeiro ateu não se encontra no número desses heróis hipócritas e sanguinários que, para se abrir uma estrada à conquista, se anunciam às nações que se propõem duvidar dos protetores do culto que elas professam e se divertem, no seio dos seus familiares, com a credulidade humana.
O verdadeiro ateu não é nunca esse homem vil que, mergulhado desde há longos anos pelo carácter indelével de impostor sacerdotal, muda de hábito e de opinião, quando esse ofício infame deixa de ser lucrativo e corre de forma vergonhosa a filiar-se entre os sábios que ele perseguia.
O verdadeiro ateu não é nunca energúmeno que decide quebrar nos corredores todos os sinais religiosos que encontra e proclama o culto da razão à plebe, que não tem se não instinto.
O verdadeiro ateu não é nunca um desses homens mundanos, ou pessoas que assim se julgam que pelo tom desdenham do uso do pensamento e vivem quase como o cavalo que eles montam, ou a mulher que eles mantêm.
O verdadeiro ateu não está nunca sentado nos cadeirões dessas sociedades científicas, em que os indivíduos mentem à sua consciência sem cessar e conseguem disfarçar o seu pensamento, retardar a marcha solene da filosofia, por mesquinhos interesses pessoais ou por piedosas considerações políticas.
O verdadeiro ateu não é esse quase sábio orgulhoso, que gostaria que não houvesse mais ateus no mundo e que o deixaria de ser se a maior parte assim se tornasse. A mania de se singularizar deu-lhe um lugar na filosofia. O amor-próprio é o seu deus. Se ele pudesse, guardaria todo o saber só para si e, ao ouvi-lo, o resto dos homens não seriam mais dignos disso.
O verdadeiro ateu não é ainda esse filósofo timorato e sem energia, que fica corado com a sua opinião como um mau pensamento; pouco amigo da verdade, comprometer-se-á em vez de se comprometer. Vê-se que freqüenta os templos, para afastar da sua pessoa a suspeita de impiedade e, como egoísta circunspecto até a pusilinamidade, a extirpação dos mais antigos preconceitos parece-lhe sempre precoce: não tem medo de Deus, mas duvida dos homens. Que eles se destruam nas guerras religiosas e civis, desde que ele viva, protegido e em descanso!
O verdadeiro ateu não é ainda esse físico sistemático que não rejeita um Deus a não ser para ter a glória de criar o mundo, sempre à sua vontade, sem outra ajuda que não seja a sua imaginação.
O verdadeiro ateu não é tanto aquele que diz: “Não! Eu não preciso de um Deus”, mas aquele que diz: “Eu posso ser sábio sem um Deus”.
O verdadeiro ateu não raciocina com mais argúcia contra a existência divina.
[...]
O verdadeiro ateu é um filósofo modesto e tranqüilo que não gosta muito de passar por estúpido e que não declara os seus princípios com uma ostentação pueril, sento o ateísmo a coisa mais natural e a mais simples do mundo.
Sem discutir a favor ou contra a existência divina, o ateu segue o seu próprio caminho e faz por ele o que outros fazem pelo seu Deus, e não é para agradar à divindade, mas para estar de bem consigo, que ele pratica a virtude.
Muito firme para obedecer a alguém, mesmo a um Deus, o ateu apenas recebe ordens de sua consciência.
O ateu tem um tesouro a guardar que é a sua honra. Ora, um homem que se respeita, sabe o que deve defender ou permitir-se e enrubesceria, neste aspecto, se recebesse um conselho ou seguisse algum modelo.
O ateu é um homem de honra. Sentiria vergonha de dever a um Deus uma boa obra que pode produzir por si mesmo e em seu próprio nome. Não gosta de ser conduzido ao bem ou desviado do mal: procura um e evita o outro,à sua inteira vontade e se puder descansa em si mesmo.
Quantas belas ações foram atribuídas a um Deus e que apenas tinham como princípio o coração do grande homem que as produzia!
O mais perfeito sem interesse é à base de todas as determinações do ateu. Ele sabe que tem alguns direitos e deveres exerce uns sem orgulho e cumpre outros sem constrangimento. A ordem e a justiça são as suas próprias divindades e apenas lhes faz livres sacrifícios: somente o sábio tem o direito de ser ateu.

Nenhum comentário: