domingo, 30 de outubro de 2016

       Lá se vão duas décadas da minha relação com a literatura russa, paixão juvenil que nunca acabou, sempre se renova. No início era aquela coisa intimista e pessimista, instilada por Dostoiévski. Os anos passaram, o que era uma relação intimista deixou de sê-lo, pois foram vários anos de leituras historiográficas e sociológicas. Há muito penso nas similitudes entre o nosso modo de ser e o do povo russo, o que sempre é reafirmado após a leitura de uma obra ainda desconhecida. Esses dias li, "Uma história desagradável", de Dostoiévski, conto que tematiza a tentativa malograda de um alto funcionário com boas intenções em misturar-se com o povo.
        No posfácio de Aleksei Riémizov encontrei um trecho que me parece sintetizar uma característica também nossa...

       "No mundo ´falso´ concebido por mim, apenas um tolo pode ´sonhar´, enquanto o ´homem de ação´é sempre um cabeça-dura (limitado); ou então, ser ´honrado´ significa que não se teve ocasião de ser particularmente desonesto com ninguém, e qualquer um pode ser ´maligno´, e apenas o ´idiota´ é sem maldade; o ´homem direito´ é um covarde e um escravo, e o ´bondoso´só o é até que lhe peçam dinheiro."
        Essa nossa capacidade de fazer discursos sobre a virtude, mas não a professarmos, e pior ainda, zombamos daqueles que mesmo parcialmente conseguem fazê-lo.

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