No artigo, "Sexo é Política", Gore Vidal expõe sua teoria dos botões quentes, amparando-se nos fatos políticos da vida estadunidense dos anos 1970. Ao expor seus argumentos, Vidal demonstra que historicamente políticos e religiosos mobilizam constantemente versões moralistas da sexualidade para obterem dividendos políticos. No Brasil, a bancada evangélica utilizou muito bem os botões quentes no ano de 2015, para a infelicidade dos brasileiros. Abaixo segue o trecho em que Vidal expões a teoria dos botões quentes, o artigo encontra-se na coletânea já esgotada, De fato e ficção (Cia das letras). O trecho começa na página 230.
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"Por sorte, nada que é humano é
constante. Hoje em dia os casamentos civis são mais numerosos do que os
casamentos religiosos; o divórcio é uma coisa corriqueira; a prevenção da
gravidez é universalmente praticada, enquanto o aborto é legal para quem tem
dinheiro. Mas nossos governantes cederam terreno nestas questões
sexuais-sociais com grande relutância, e não é nenhum segredo que há uma boa
dose de frustração nas salas de reunião do país.
Umas
das razões é que os trabalhadores, hoje, são menos obedientes do que costumavam
ser. Quando despedidos, podem se apoiar
na previdência social — uma invenção do Demônio. Além disso, o fato de a maior
parte dos trabalhos que os homens fazem as mulheres também poderem fazer — e
fazem — põe em perigo a velha ordem patriarcal. Uma mulher capaz de
sustentar-se e de sustentar seu filho é uma ameaça ao casamento, e o casamento
é a instituição central através da qual os proprietários do mundo controlam as
pessoas que realizam o trabalho. O homossexualismo também representa uma ameaça
a seu antigo domínio, porque homens que não têm mulher (231) nem filhos com os
quais se preocupar não são facilmente domináveis quanto os que têm.
Em
qualquer momento dado na vida de uma sociedade, há determinados botões ´quentes´
que um político pode apertar para obter uma resposta previsivelmente ´quente´.
Há uma década, se você perguntasse ao presidente Nixon o que ele pretendia
fazer com a questão do desemprego, provavelmente ele responderia. ´A maconha é
apenas uma etapa para coisas piores´.
Falar contra o pecado é uma boa política — e não se preocupem com os non sequiturs. Na realidade, é
positivamente não-americano — chega a ser comunista — discutir um problema real
como o desemprego ou quem está roubando todo o dinheiro do Pentágono.
Para
distrair o eleitorado, o político americano inescrupuloso tratará de perseguir
os grupos que o Velho ou o Novo Testamento não vêem com bons olhos. Os descendentes
de Ham são permanentemente malvistos pelos americanos brancos. Para azar do
usuário do botão ´quente´, é considerado de mau gosto perseguir abertamente os
negros. Mas sempre restam as expressões codificadas. Todo mundo sabe que
´encostado na previdência social´ quer dizer negro, assim como ´lei e ordem´. A
primeira porque a maioria das pessoas sustentadas pela segurança social são
negros (na verdade, são brancos); a segunda porque existe a crença generalizada
de que a maior parte dos crimes urbanos são cometidos por negros contra brancos
( na realidade, são cometidos por negros desempregados contra outros negros).
Mas os negros pobres não são as únicas vítimas. Muitos cristãos e alguns judeus
não gostam muito de gente branca pobre, partindo do velho princípio puritano de
se que você é bom, Deus irá enriquecê-lo. Essa é uma linha evangélico-cristã
bem conhecida, recentemente alardeada pelo renascido milionário Walter Hoving. Ao se ver na situação de não ter 2 milhões e
400 mil dólares do total que necessitava para comprar as lojas Bonwit Teller,
de Nova York, Mr. Hoving ´abriu-se para o Senhor´, que imediatamente apareceu
(231/232) com o dinheiro. ´Foi totalmente milagre´. Agora sabemos por que os
ricos estão sempre conosco. Deus gosta deles.
Os
judeus são permanentemente malvistos pelos cristãos americanos porque são
responsáveis para todo o sempre pelo assassinato de Jesus, não importa o que possam
dizer aqueles idólatras católicos romanos, entupidos de vinho, no Segundo
Concílio Vaticano. É verdade que agora, com a criação de Israel, os cristãos
têm uma admiração relutante pelos judeus como opressores. Mesmo assim, na terra
dos nascidos e renascidos, uma das questões de fé é que os meios de comunicação
de massa nos Estados Unidos estão nas mãos dos judeus, e que o objetivo destes
é liquidar com o povo de Deus. Consequentemente, ´meios de comunicação de massa
´é a expressão codificada deste ano para ´abaixo os judeus´, enquanto ´Salvem
as Nossas Crianças´ significa ´abaixo as bichas´.
Mas
política, como sexo, frequentemente aceita estranhas alianças. Este ano os
cristãos militantes estão lado a lado com os judeus militantes, apertando o
tipo de botões quentes que imaginam que irão fortalecer o domínio do país
através da solidificação da família. Aparentemente, a família só pode ser
fortalecida se as mulheres não tiverem direitos iguais aos dos homens, nem no
mercado de trabalho nem relativamente a seus próprios corpos (Não abortarás). É
por isso que a derrota da Emenda dos Direitos Iguais à Constituição tem grande
importância simbólica.
Os
Salvadores da Família também desejam leis fortes, cujo objetivo ostensivo é
restringir a pornografia, mas que na realidade objetivam recusar a liberdade da
palavra àqueles de quem não gostam."
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