sábado, 31 de maio de 2014

Lobato e a eugenia


            Os organizadores da última edição das obras de Monteiro Lobato, pela editora Globo, imputam o livro, "O presidente Negro", como único romance escrito pelo famoso autor de obras para o público juvenil. Obra lançada em 1926, para muitos os aspectos racistas (eugênicos) são apenas agulhas no palheiro de suas obras para a juventude. Entretanto, neste romance percebemos o quanto Monteiro Lobato estava embebido e convencido da eficácia das ideias eugênicas. Aqui, deixo apenas alguns trechos, aliás, os quais considero leves diante do que há de mais pesado no livro.

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"...Quando em 2031 Owen propôs a lei espartana, a resistência ainda se mostrou forte; mas o alto progresso do espírito da América permitiu-lhe a vitória. Pouco depois, quando o mesmo Owen formulou a lei de esterilização dos tarados, embora fosse colossal o número dos atingidos, já se revelou menor a resistência e a lei venceu por esmagadora maioria.
Bastou um século de inteligente e sistemática aplicação dessas leis áureas para que o povo americano se alçasse a um grau de elevação física, mental e moral que nem o próprio Owen chegara a sonhar.Fecharam-se as prisões e com elas os hospitais, os hospícios e asilos de toda espécie. E os sociólogos da época entraram a assombrar-se da estupidez dos seus ancestrais... (O Presidente Negro, pág. 158)
.... - E não parava aí a intervenção seletiva. Se um "pai autorizado" pretendia casar-se, tinha de apresentar-se com a noiva a um Gabinete Eugenométrico, onde lhes avaliavam o índice eugênico e lhes estudavam os problemas relativos à harmonização somática e psíquica. Caso um deles não atingisse o índice exigido, poderiam contrair núpcias, mas sob a condição de infecundidade... pág.159
...Ser pai valia por um diploma de superioridade mental, moral e física, conferido pela natureza e confirmado pelos poderes públicos... pág. 160
[ e o efeito pedagógico de tais ideias torna o personagem Ayrton um divulgador]
... Pela primeira vez fui eu quem pôs fim a um domingo. Estava ansioso por voltar à cidade e nos cafés, na rua, no escritório, pregar a eugenia e insultar a estúpida gene que não vê as coisas mais simples... pág. 161

[Concluindo o livro, são expostas as soluções para o problema racial nos Estados Unidos do futuro, ano 2228]

"...O governo americano vem dar conta ao povo do golpe de força a que foi arrastado em cumprimento da suprema deliberação dos chefes da raça branca, reunidos em palácio no dia 7 de maio de 2228. Foi aprovada nessa assembléia a moção Lelend, resumida nestas palavras:
'A convenção da raça branca decide alterar a Lei Owen no sentido de incluir entre as taras que implicam a esterilização o pigmento negro camuflado.. A raça branca autoriza o governo americano a lançar mão dos recursos que julgar convenientes para a execução desta sentença suprema e inapelável´.
Assim autorizado, o governo procurou agir de modo a evitar perturbações na vida nacional: estava em estudos da matéria John Dudley apareceu com a revelação da virtude dupla dos raios Ômega. ADOTADO ESTE MARAVILHOSO PROCESSO, OPEROU-SE A ESTERILIZAÇÃO DOS HOMENS PIGMENTADOS PELO ÚNICO MEIO TALVEZ EM CONDIÇÕES DE NÃO ACARRETAR PARA O PAÍS UM DESASTRE. O PROBLEMA NEGRO DA AMÉRICA ESTÁ POIS RESOLVIDOS DA MELHOR FORMA PARA A RAÇA SUPERIOR, DETENTORA DO CETRO SUPREMO DA REALEZA HUMANA"." pág. 195

....Pela primeira vez na vida dos povos realizava-se uma operação cirúrgica de tamanha envergadura. O frio bisturi de um grupo humano fizera a ablação do futuro de um outro grupo de 108 milhões sem que o paciente na nada percebesse. A raça branca, afeita a guerra como a ultima ratio da sua majestade, desviava-se da velha trilha e impunha um manso ponto final étnico ao grupo que ajudara a criar a América, ma com o qual não mais podia viver em comum. Tinha-o como obstáculo ao ideal da Supercivilização ariana que naquele território começava a desabrochar, e pois não iria render-se a fraquezas de sentimos, nocivas à esplendorosa florescência do homem branco... pág. 196

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